Vidas ao Vento


- Adeus às Ilusões -
Ergue-se o vento! Há que tentar viver!
O sopro imenso abre e fecha meu livro,
A vaga em pó saltar ousa das rochas!
Voai páginas claras, deslumbradas!
Rompei vagas, rompei contentes o
Teto tranqüilo, onde bicavam velas!
-Paul Valéry
Vidas ao Vento é um trabalho tão suntuosamente inflado de emoção, que por muitas vezes surge a sensação de que uma linha que separa o emocionante do melodramático está prestes a ser cruzada. São muitos os motivos para o acúmulo de tanto sentimento, e eles surgem das mais variadas fontes. Para aqueles que conhecem um pouco da vida do realizador japonês e sabem de seu encanto pela aviação, este filme ressoa como um canto de amor, um poema de admiração pela luta do homem que sonha em voar, e a partir daí se debruça engenhosamente em questões como honra, trabalho, e o poder que emana de cada ser humano movido por suas próprias crenças, estejam equivocados em suas concepções de mundo ou não. Talvez um pouco dessa emoção venha também da noção de que este é o último trabalho de Miyazaki, já em idade avançada e cansado do penoso processo artesanal que é a base de seus filmes, ele parece se despedir com orgulho de sua obra, mas da maneira humilde e serena que é tão comum ao oriente.

Um pouco dessa paixão pela arte é tratada diretamente na trama através do protagonista, inspirado em parte no designer aeronáutico Jiro Horikoshi, famoso por construir os Zeros, aviões japoneses usados durante a segunda guerra mundial -para uma referência histórica mais direta, foram estas máquinas que participaram da batalha de Pearl Harbor; talvez venha daí a rejeição do público americano para com o filme. A exemplo de trabalhos recentes como Adeus Primeiro Amor ou Azul é a Cor Mais Quente, porém com um olhar bem menos erótico/romântico que estes, Vidas ao Vento também acompanha seu personagem desde muito cedo, quando sua vontade de viver ainda se desenha em sonhos com voos que ele nunca poderá fazer por sofrer de miopia, até o momento sacramental onde se percebe criador daquilo que sempre sonhou, mas é confrontado por uma amarga insatisfação em ver a sua perfeita tradução de liberdade sendo utilizada na linha de frente de uma guerra.

Olhando para seus temas -sentimentais e narrativos- tão grandiosos, é possível enxergar uma curiosa relação entre este aqui e os clássicos technicolor da Hollywood dos anos 40 e 50, e talvez com um pouco do cinema noir também. Estão lá os homens com seus cigarros e seus mistérios, a guerra que se anuncia, a frustração com o presente, e sobretudo o amor. A relação de Jiro com sua amada Nahoko -a quem ele conhece também por culpa do vento- atravessa o terremoto, a grande depressão, e desencontros afins, apenas para crescer como no melhor dos melodramas de Douglas Sirk. As mudanças de registro entre o sonho aeronáutico e o romance impossível de um casal condenado podem parecer um pouco bruscas, mas pessoalmente eu vejo grande coragem em abraçar um estilo com tamanho vigor, e jamais negá-lo. Pode ser uma experiência frustrante para aqueles mais ávidos por personagens como Chihiro, Totoro e Mononoke, mas, se for realmente uma despedida, é o grande adeus de um grande mestre.

Vidas ao Vento (★★★★)
Hayao Miyazaki, Japão, 2013

IMDB ROTTEN KRITZ FILMOW