Alemão



Tenho uma relação longínqua com o cinema de José Eduardo Belmonte. Na minha humilde opinião, Se Nada Mais Der Certo é dos melhores filmes que o cinema brasileiro criou nos últimos anos; e mesmo quando se rende a delírios absurdos como Billi Pig, o diretor brasiliense ainda consegue imprimir algo de muito particular àquilo que filma, uma certa atração melancólica pela turbulência que é existir, especialmente numa grande metrópole. E de fato, esse interesse pela relação do homem com a cidade ajuda muito na construção de Alemão, que mesmo sendo um filme diferente de seus trabalhos anteriores -especialmente por pender bastante para o cinema de ação-, nunca perde o interesse no elemento humano e sua imperfeição.

Inclusive, é possível traçar um paralelo entre este e o também recente Quando Eu Era Vivo, de Marco Dutra; ambos são filmes que tomam conceitos e estruturas emprestadas do cinema americano, cada qual em seu gênero, e subvertem essas regras para criar algo completamente original, brasileiro, e sobretudo, humano. Se no filme de Dutra os sustos pareciam derivar das assombrações tão comuns no cinemão ianque, Belmonte se apropria de coisas tão discretas quanto a câmera lenta, a entrada de personagens no campo focal, e especialmente certo nível de humanização do vilão -que parece ser algo ainda polêmico para o realizador brasileiro-, para reviver um pedaço recente da história.

No lado positivo está um combo muito feliz de aspectos técnicos, realizado por gente cuja competência vem sendo mais e mais reconhecida, e nesse estão incluídos o roteiro de Gabriel Martins e Leonardo Levis, o som de Alessandro Laroca, a produção de Rodrigo Teixeira, e especialmente a fotografia de Alexandre Ramos, que opta por uma câmera opressiva, sempre colada no rosto daquelas personagens que passam toda a duração do filme aprisionadas num porão, e respirando mais abertamente em cenas externas; não fosse esse jogo, muita força seria perdida. E daí vem aquele que deve ser o maior agente contrário ao filme: dada a quantidade de personagens e tramas se desenrolando, Belmonte não pode estabelecer o conflito como se deveria. Estamos falando aqui de 5 policiais infiltrados no Complexo do Alemão cuja identidade é revelada para o rei do tráfico um dia antes da operação que pretendia pacificar o local.

Desta premissa se fazem dois filmes: um deles é muito climático e sufocante, e acompanha a luta dessas figuras confinadas num cenário minúsculo, enquanto buscam uma saída segura daquela comunidade. O outro filme trata do quadro maior, da relação da corporação com esses personagens, e dos traficantes com as duas situações. Enquanto o primeiro é muito mais dramático, e provavelmente seria um grande filme caso fosse melhor talhado, o segundo é apenas interessante, e revive muito do que já foi feito sobre o ambiente da favela no cinema brasileiro. Mesmo com essas questões, Alemão ainda é um filme muito original, e se for bem aceito pelo público, pode ser o carro chefe de um novo -e maravilhoso- momento para o cinema mainstream brasileiro. Em tempo: os rappers e funkeiros cariocas que encarnam os traficantes são certamente o ponto alto das atuações no filme. Assombrosamente realistas.

Alemão (★★★)
José Eduardo Belmonte, Brasil, 2014

IMDB ROTTEN KRITZ FILMOW