- She’s just a picture on my wall -
Não sei se isso é um senso comum ao pensar no cinema de horror, mas ao menos para mim, o verdadeiro medo vem daquelas coisas que nunca são vistas; pois tudo que se torna palpável pode ser combatido de alguma maneira. Andando estritamente sob esta concepção de manter tudo sob uma névoa ameaçadora, o estreante Sean Durkin constrói Martha Marcy May Marlene, sua estreia em longa-metragem, e conduz um filme para um nível de tensão tão enervante quanto hipnótico. Logo nos primeiros momentos, somos apresentados ao dia a dia daquilo que parece ser uma comunidade rural, em algum lugar perdido no interior dos Estados Unidos. Homens consertam cercas e telhados, mulheres cuidam da roça e da comida, e tudo parece muito harmonioso. Até que alguém põe uma mochila nas costas e explode numa fuga desesperada por entre as árvores da densa floresta. O porquê da perseguição e eventual captura terminarem de maneira tão inusitada é apenas um dos muitos pontos que permanecem martelando a mente do espectador.
A cruel sutileza na construção do roteiro de Durkin, que neste ponto é auxiliado pela montagem de Zachary Stuart-Pontier e pela fotografia assombrosa de Jody Lee Lipes -esta baseada em uma colorização leitosa e pontos de luz em meio à completa escuridão- é a fluidez com a qual ele navega pelo presente, com Martha tentando administrar seu trauma na companhia da irmã e do cunhado, pelo passado, em seus dias participando da estranha comunidade de onde fugiu, e por um ambiente onírico, impossível de ser completamente assimilado ou provado, graças ao estado de degradação mental que a garota está sofrendo. É dentro dessa mente tortuosa que acontece tudo aquilo que não podemos ver, e que realmente apavora.
Obviamente, a maior parte dos méritos cai diretamente no rosto de Elizabeth Olsen, que com um simples sorriso, ou seu súbito desfazer, consegue deixar em suspenso todo o rumo de uma cena. Para quem não reconhece o nome, Olsen é irmã caçulas das gêmeas Mary-Kate e Ashley, famosas em meados dos anos 90 por estrelarem um punhado de comedias infantis, e que agora se dedicam ao mercado da moda. Elizabeth, no entanto, tem muito mais a oferecer no campo da atuação que suas irmãs, como provou logo em seu primeiro trabalho, A Casa Silenciosa, remake desnecessário do terror uruguaio de 2010. Martha Marcy May Marlene apareceu um pouco antes no circuito de festivais, gerando um boca a boca espantoso sobre o poder que seus traços angelicais imprimem numa tela, especialmente quando contrastados com atitudes tão erráticas.
A Martha de Olsen, é na verdade uma jovem que embarcou sem reservas numa viagem tão sentimental quanto geográfica, e acabou por se tornar refém de sua própria ingenuidade. Numa leitura mais ampla, o filme parece dialogar com Depois das Aulas, de Antonio Campos e Paranoid Park, de Gus Van Sant, no sentido de que todos convergem para um estudo estilizado e asséptico sobre como o diálogo entre os desejos e a construção de uma identidade é uma questão tão delicada para a mente de um adolescente, mas raramente recebe a devida atenção. Cada um desses protagonistas busca um conforto impróprio, ou improvável, em ambientes que não tem nada a lhes oferecer, porém no filme de Durkin, não existe salvação em vista.
Por exemplo, a relação estabelecida entre Olsen e o guru ameaçadoramente interpretado por John Hawkes, definida especialmente na cena em que ele canta uma canção olhando fixamente para ela, exala algo de hitchcockeano por deixar tão claro para o público que aquela personagem não faz a menor ideia do perigo que a circunda, e se sabe, está encantada demais para querer se defender. A mesma sensação retorna no final, poderosamente aberto para interpretações, e que deixa espectadores perplexos, bem ou mal, mas que de fato que não permite que ninguém se despeça de Martha com um adeus indiferente. O silêncio presente em cada composição criada por Durkin ressoa na mente por muito tempo, talvez para sempre.
Por exemplo, a relação estabelecida entre Olsen e o guru ameaçadoramente interpretado por John Hawkes, definida especialmente na cena em que ele canta uma canção olhando fixamente para ela, exala algo de hitchcockeano por deixar tão claro para o público que aquela personagem não faz a menor ideia do perigo que a circunda, e se sabe, está encantada demais para querer se defender. A mesma sensação retorna no final, poderosamente aberto para interpretações, e que deixa espectadores perplexos, bem ou mal, mas que de fato que não permite que ninguém se despeça de Martha com um adeus indiferente. O silêncio presente em cada composição criada por Durkin ressoa na mente por muito tempo, talvez para sempre.
Martha Marcy May Marlene (★★★★★)
Sean Durkin, Estados Unidos, 2011
IMDB ROTTEN KRITZ FILMOW