- My Own Private War -
Guillermo Del Toro sempre foi tido como um visionário; alguém que consegue balancear apuro estético e narrativo de tal maneira que, mesmo nas cenas mais violentas e absurdas, mantêm os espectadores encantados com tudo que acontece. A impecável reputação parece validar esta informação: excetuando o ridículo Blade 2, não há na filmografia do diretor um fracasso retumbante em todos os aspectos. Já aconteceu de público e crítica discordarem, mas num apanhado geral, o diretor agrada a gregos e troianos. O mesmo fenômeno se repete com Círculo de Fogo, seu mais novo trabalho; está lá o fascínio por visuais apurados, tramas fantásticas e, dessa vez, até um pouco de melodrama. Círculo de Fogo tinha grandes chances de se tornar um evento pirotécnico aos moldes de Transformers, mas seus antecedentes ajudaram bastante. Del Toro é um apaixonado pela cultura dos ‘mechas’, um braço da ficção científica focado em robôs e máquinas, e sua relação com os seres humanos. Para aqueles mais conhecedores, Neon Genesis Evangelion surge como a referência mais óbvia, e realmente existe um punhado de similaridades na trama e composição visual de ambos, mas a equipe afirma ter usado o trabalho do japonês Hideaki Anno apenas como uma de muitas influências.
Polêmicas à parte, para quem não está a par do universo mecha, basta lembrar de personagens como os já citados Transformers, ou os saudosos Power Rangers. O prólogo do filme estabelece muito bem os contornos desta relação; somos apresentados à um mundo abatido por ataque de alienígenas gigantes conhecidos como kaijus -estes também tem uma mitologia própria e bastante peculiar-, e à subsequente união de governos internacionais para a fundação do programa Jaeger, responsável por criar robôs de grande porte para combater os monstrinhos mal-humorados. Os aparatos gigantes são controlados por dois pilotos montados em roupas futuristas e capacetes que lembram os membros do Daft Punk, que devem ter uma cumplicidade única afim de conectar seus cérebros e criar a força necessária para movimentar todo o sistema. Soa bastante infantil, e é justamente aí que reside grande parte do charme. O filme evoca as melhores brincadeiras da infância, onde fazer guerras com os bonequinhos de plástico era o ápice da diversão. A maneira formulaica como o herói falha, para se reconstruir a duras penas e então atingir seu objetivo é previsível, mas tão bem contada que o entretenimento alcança outro patamar. Não se trata apenas de pirotecnia vazia e explosões descontroladas; o barulho tem uma razão muito válida para existir.
Em uma das melhores sequências de todo o filme, quando observamos a infância de Mako Mori, através de sua conexão mental com Raleigh; boa parte do pavor que sentimos não vem da imagem do monstro gigante perseguindo a indefesa garota, mas do barulho estrondoso de seus passos, que contrasta com o choro desesperado da menina. A minúscula figura vestida de azul em meio à cidade completamente destruída remete bastante à O Labirinto do Fauno, e rememora o motivo pelo qual o diretor é tão bem quisto: a honestidade. Esse trunfo é creditado -para além da mão precisa que conduz a história- à boa combinação de elenco e roteiro. Charlie Hunnam, Idris Elba e Rinko Kikuchi tem uma sintonia perfeita, como o trio motivado por questões muito particulares, que vão além da ‘simples’ tarefa de salvar o mundo. Charlie Day consegue manter o seu enervante personagem no tom certo da comédia, mas boa parte das cenas em que ele aparece são dominadas por Ron Perlman, que interpreta um hilário comerciante/gângster. São pequenos detalhes que agregam muita coisa, especialmente numa época em que Hollywood tem colocado o lucro à frente de qualquer pretensão artística. Assista numa sessão dupla com Star Trek – Além da Escuridão, e tenha um pouco de fé no cinema pipoca. São filmes de grandes proporções, mas com a alma ainda intacta.
Círculo de Fogo (★★★½)
Guillermo Del Toro, Estados Unidos, 2013
IMDB ROTTEN KRITZ FILMOW