O Abismo Prateado


- Antes do Amanhecer -

Karim Ainouz parece ser viciado em estradas, e também em tristeza. Numa obra de longas, curtas e programas de TV, a estagnação surge sempre como o maior vilão, e a necessidade de movimentar-se como o eterno objetivo. Assim foi com Suely, com Alice, e agora com Violeta, personagem que salta das linhas de Olhos nos Olhos, canção de Chico Buarque, numa brilhante criação compartilhada com a roteirista Beatriz Bracher. O escolado realizador afirmou não conseguir compreender totalmente as nuances da alma de uma mulher, e por isso encomendou o texto a alguém que pudesse falar com maior propriedade. Parece muito complicado para Violeta, encarnada por Alessandra Negrini, externar o sentimento que toma conta de seu corpo e alma quando ela recebe uma fatídica mensagem de seu marido. Tanto que o diretor Karim Ainouz faz com que ela sofra um pequeno acidente que lhe rende algumas feridas abertas; e o vermelho do sangue que não escorre mas é prova da pele dilacerada, diz muito sobre a agridoce viagem sentimental da moça: O que machuca de verdade não é a pancada, que veio sorrateira e inesperada, mas a reverberação daquela sensação.

No entanto, nem todos os sinais para se entender a aparentemente simples construção de Ainouz são físicos, ou óbvios. A exemplo do recente O Som ao Redor, onde os menores barulhos desempenhavam uma função narrativa tão relevante quanto a de qualquer personagem, desde os primeiros momentos de Abismo Prateado quando as ondas do mar quebram ameaçadoras, o preciso desenho sonoro do filme se firma como um de seus maiores trunfos. Negrini se vê atirada em meio à barulhos de trânsito, discussões, música alta e construções. Mas o mesmo som também pode ser companheiro fiel de expiação das angústias; a cena em que a moça dança descontrolada ao som de uma famosa música é absurda de tão bonita; não pela plasticidade em si, mas pelo estranho poder de libertação que ela concede à Violeta, e ao espectador. A epifania numa pista de dança é um artifício bastante antigo, mas a honestidade é o melhor ingrediente nessa mistura; não se almeja tratar da personagem como um peão em meio à debates filosóficos sobre o fim do amor, ou o reencontro com a própria essência, estamos apenas servindo como um ombro amigo -e silencioso- para alguém que atravessa um momento de turbulência. Nada além disso.

O Abismo Prateado (★★★★½)
Karim Aïnouz, Brasil, 2011

IMDB ROTTEN KRITZ FILMOW