Frances Ha


- Everybody Loves Frances -

Apesar de ser vendido como uma comédia, e realmente arrancar um punhado de gargalhadas da plateia, o cerne de Frances Ha brota de um sentimento muito amargo. A protagonista, encarnada por Greta Gerwig de maneira espantosamente natural (leia este artigo que a moça escreveu para o New York Times e entenda porquê o ofício do ator é tão mais complexo quando ele precisar transparecer naturalidade), é uma adulta que não consegue se portar como tal, e ao ser “abandonada” pela melhor amiga, embarca numa microscópica jornada emocional, que o filme pontua espertamente através de cartelas que mostram os diversos endereços da moça, a cada vez que ela muda de casa -e que inclusive levantam uma análise ainda mais curiosa sobre a relação que a moça estabelece com o mundo, já que na sequencia onde ela faz uma inesperada viagem, a cartela indicando o endereço não aparece na tela.

Frances é dessas pessoas que absorve e se delicia com aquilo que o ambiente pode oferecer, mas ainda tem bastante medo de fincar raízes. Logo nos primeiros momentos, ela recusa o convite do então namorado para dividir um apartamento, pois não quer abandonar a amiga. O telefone toca, a amiga em questão liga. Todo o pesar por ter terminado um namoro some, e Frances já está contando piadas, e nesse sentido ela remete um pouco à Poppy, a inabalável professorinha de Sally Hawkins em Simplesmente Feliz. Apesar de ser absurdamente inapropriado, o público não consegue desprezar alguém cujos sentimentos transbordam de maneira tão honesta na tela e é por isso que as dores dela batem tão forte naqueles que prestam atenção. Querendo ou não, todo mundo tem um pouco de Frances Ha. Talvez a maior razão para a gradativa empatia, é a noção pessimista de que não basta sonhar e se esforçar para conseguir o que deseja. Em alguns casos, a melhor opção é deixar os planos de lado e focar numa nova meta. Baumbach e Gerwig empreendem uma jornada de negativas e complexidade quase burocrática para sua personagem.


Frances perde a conexão umbilical com a amiga (Mickey Summer, maravilhosa) com quem mantêm uma relação quase romântica de tão próxima, tem uma vida amorosa pouquíssimo animadora e não percebe os sinais de uma possível melhora, é uma dançarina esforçada mas talvez não o suficiente para se tornar uma estrela, e por aí vai. Mas se outro diretor transformaria isso numa via-crucis cheia de rancor e cinismo -provavelmente os sentimentos mais adorados pelos realizadores do cinema independente contemporâneo- o grande trunfo aqui é o tom leve que tudo parece ter. É importante ressaltar que não se trata de um menosprezo pela história ou por aquilo que seus personagens tem a dizer, já que a fotografia em preto e branco serve principalmente para que a atenção do espectador se volte completamente para os espertíssimos diálogos, e para o expressionismo do desenho de som, que trata músicas e efeitos quase como um personagem à parte, cheio de vontade própria.

Para compreender as intenções do filme, é preciso saber que ele não é uma ideia propriamente original. Frances Ha segue bem de perto a cartilha de um movimento iniciado no final de 2001 em Nova Iorque, e que ficou conhecido como Mumblecore. Se hoje esse tipo de história ganhou certa notoriedade graças ao seriado Girls de Lena Dunham (inclusive, Adam Driver, um dos protagonistas da série, faz uma participação aqui), à época de sua criação não passava de um punhado de diretores fazendo filmes sobre o tédio pós-faculdade, e o aterrador sentimento de não saber o que fazer da vida. Andrew Bujalski, Joe Swanberg e Aaron Katz são os nomes que levaram a ideia mais a sério, e criaram pequenas obras primas como Mutual Appreciation, Alexander The Last e Cidade Tranquila, que remetem automaticamente ao cinema de John Cassavetes e Richard Linklater, e que infelizmente permanecem desconhecidas.

Greta Gerwig observou de perto a criação e desenvolvimento deste “subgênero”, inclusive por ter começado sua carreira ao lado deles, e foi lá que conheceu Noah Baumbach. De carreira um pouco mais extensa, Baumbach também compartilhava do interesse por um cinema feito em proporções pequenas, mas até então tinha preferido contar histórias sobre grupos de pessoas e seios familiares. Frances Ha é sua segunda, e mais acertada tentativa de focar todas as atenções em um único objeto; já que O Solteirão é provavelmente um de seus filmes menos inspirados, mas marca seu primeiro encontro com Gerwig num trabalho de sua autoria. A partir de agora basta torcer para que os dois se encontrem mais vezes, ou que sigam suas trajetórias levando as valiosas lições que este trabalho rendeu.


Frances Ha (★★★★★)
Noah Baumbach, Estados Unidos, 2012

IMDB ROTTEN KRITZ FILMOW