War Nam Nihadan

Do persa, "matar alguém, enterrar o corpo, e plantar flores sobre a cova para escondê-la".
Eu não sou crítico teatral, e nem sei muito bem o que deve ser observado quando se pretende analisar um espetáculo, mas acredito que o teatro tem na fascinação pela construção da imagem um dos seus pontos comuns com o cinema, e estar fascinado pela imagem é algo que eu compreendo bastante bem. Toco nesse ponto porque, apesar de observar um ator figurar-se e transfigurar-se em cima de um palco me parecer uma experiência realmente fascinante, minha predileção pelo cinema se deu por não aceitar muito bem a falta da câmera (ou da tela) como agente mediador da minha relação com as emoções do personagem; neste caso, o imediatismo e a pulsão dos corpos me repele muito mais do que encanta, por questões unicamente e pessoalmente minhas. Fico feliz por negar meu conformismo vez ou outra numa quinta feira a noite mas, de qualquer maneira, esta não é uma crítica.

Fui atrás de WAR NAM NIHADAN ou Qual o nome do suco? com as mais inocentes motivações e as mais baixas expectativas, mas fui recebido com uma impressionante violência imagética, daquelas que -acreditava eu- só um cinema de letras maiúsculas teria o poder de causar. WNN é, segundo seus próprios jogadores, o celebrar de bons momentos, o nada saber, a beleza, e especialmente esta última. Ver tantos corpos tão desassombradamente nus me lembrou da retroativa sensação desagradável que tive ao assistir e pensar sobre o Tatuagem de Hilton Lacerda, onde o suposto desbunde libertário nada tem de vivo, ou de vida, muito aparentemente porque deseja com tanta intensidade carregar estas bandeiras de amor e liberdade em sua linha de frente. E aí chegam os atores-personagens deste experimento, exibindo seus corpos e desejos numa festividade que jamais pretende ter para si a atenção que deve ser relegada a um sentimento, e só a ele, e a ideia de desbunde me soa muito mais genuína. Esta é, verdadeiramente, uma celebração da vida através do corpo em movimentos erráticos e instintivos, e apesar de ser fabricado, nada aqui o parece.


Quem conhece mais a fundo o trabalho do grupo Magiluth, responsável pela oficina que deu origem a WNN, consegue enxergar melhor os pontos comuns entre os trabalhos dos dois. Eu, assistindo de um lugar bem menos versado nesta linguagem e nestes códigos, recebo os estímulos do grupo com um frescor quase assustador de tão reconfortante. Ao fim da sessão pensei muito na ideia de certo dadaísmo aplicado, sobre como aquelas pessoas pareciam estar tirando palavras da sacola e aplicando elas às suas vivências cênicas, apesar de que, assim como no cinema de Cassavetes que é indiretamente citado, toda o aparente improviso soa como fruto de um exaustivo e minucioso processo de criação colaborativa; o que de forma alguma é um demérito. A agilidade que surge desta suposta falta de compromisso com o lógico, com as paredes da encenação, e com os limites da plateia é provavelmente o mais valioso dos trunfos que os atores encontraram para utilizar. Não raro alguém buscava vangloriar-se e ridicularizar-se em sua condição de ator/atriz. "Eu sou atriz!" grita alguma personagem, para ter escárnio como resposta. "Eu sou linda, porra!", grita outro, enquanto é desejado/devorado/despido por mãos ávidas e línguas ferozes. É uma só afirmação, que encontra tantas formas de vazão. É ridículo ser ator, e aparentemente ridicularizar-se é a mais gratificante das sensações.

Para explanar numa ambientação mais comum aos meus objetos de observação, WNN tem muito da Nova Hollywood, da Nouvelle Vague e do Mumblecore, ou seja, movimentos cinematográficos que estavam intrinsecamente ligados a uma ideia de renovação ou simplesmente de autossustentação, e a exploravam através de rupturas brutais com o que era compreendido até então como "bom cinema". Aparentemente também inspirado pelo "O ano em que sonhamos perigosamente" de Slavoj Zizek, que foi ponto de partida para um espetáculo homônimo do Magiluth, o que vemos aqui é uma utopia possível, uma reunião de ideias que se abraçam como escudo contra a dureza que é viver neste mundo tão urbano, e mais especificamente nesta cidade tão mesquinha. Aqui, os jogadores (e quero destacar muito carinhosamente os momentos de sonho que me acometeram as vozes e corpos de Raíza Cardoso, Bruno Parmera, Pedro Toscano, Aninha Martins e Raphael Maia) são pequenos profetas do sonho, da ilusão, do feminismo, da viadagem, de Madonna, de RuPaul, do futebol, do loló, e de tudo aquilo que chamamos de pós-moderno mas queríamos realmente chamar de vida. Eles são tudo, só não são inocentes, pois não há mais espaço para isso. Mas, outra vez, eu não sou crítico teatral, só falo porque acredito.

WAR NAM NIHADAN ou Qual o nome do suco?
Núcleo Criativo Casa Torta
Visto no Texas, 26/11/15
Fotos por Ju Brainer/Divulgação

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