Em um país que adotou o futebol tão apaixonadamente há tantas décadas, mesmo com os
altos e baixos dessa relação, o coração do torcedor vem mantendo os estádios pulsando. O filme
dirigido por Ives Rosenfeld, Aspirantes, é uma tentativa de reunir suas duas paixões, o futebol e o
cinema. Sua perspectiva de torcedor, externa, passiva, não se verifica apenas na forma como filma
as cenas esportivas (de fora para dentro do campo), mas permeia todo o filme em uns aspectos sutis
e outros nem tanto. Não é só o torcedor em Rosenfeld que contribui para sua postura narrativa, mas
possivelmente sua carreira de anos no departamento de som em cinema, trabalhando com captação
direta e mixagem.
O som na ficção é dominantemente limitado a um segundo plano, auxiliando a narrativa da
forma menos perceptível possível ao espectador, e assim temos gerações de captadores de som
direto, microfonistas, etc que mesmo quando conseguem dar vazão à sua criatividade,
frequentemente isso se dá na forma de observar sonoramente seu entorno, buscando sons mais
instigantes. Superando essa comum subutilização do som, naturalmente este é coprotagonista de
Aspirantes, e não há por que condenar esta inclinação de seus realizadores. Comunicando o
turbilhão de emoções que Júnior guarda na cabeça e no peito, uma percussão de guerra acompanha
o rosto do ator Ariclenes Barroso nas partidas de futebol, enquanto a grande parte das demais
sequências o acompanhamento de trilha é felizmente negado.
Júnior faz parte de uma juventude brasileira que não tem ideia de como viver a própria vida, e isso transcende o que poderia se tornar um drama social do exótico, do espetáculo – o olhar do diretor para uma classe social mais baixa. Júnior não é vítima da sociedade mais do que é vítima de si mesmo, de sua incapacidade de conviver, de se comunicar. Júnior é orgulhoso demais para aceitar ajuda ou conselhos, mesmo de seu melhor amigo, o carismático Bento (Sergio Malheiros, cujo rosto é aqui intensamente expressivo), da namorada muito dona de si, Karine (Julia Bernat, de parabéns), ou da adorável sogra Sandra (Karine Teles, sempre maravilhosa). Ele quer vencer sozinho, quer ser o próprio herói, o que não tarda a se refletir em campo e afetar também seus relacionamentos.
O filme se assemelha a seu protagonista nos riscos que assume. Acompanha Júnior tão de
perto que descarta os outros personagens de formas muitas vezes escandalosas, como uma intensa
briga de família* que Júnior só observa (mesmo sendo ele o assunto), passivo, em foco, enquanto as
excelentes personagens femininas vociferam uma à outra desfocadas, ao fundo. A preparação do
elenco rumo a performances naturalistas é também um risco. Como o filme parece se colocar como
observador passivo (não necessariamente à distância), havia a necessidade de que as cenas fossem o
mais vivas o possível, mas em pleno 2015 esta tentativa de ilusão não só é pouco eficaz como é
enfadonha, e cria uma armadilha para Ariclenes Barroso. Seu personagem é tão estranho entre os
demais, contido tão intensa e antinaturalmente, que ele recebe um destaque por contraste, o que
tende a prejudicar um dos lados da comparação. Com um som tão participativo, Aspirantes poderia
ter assumido o artifício do cinema com mais segurança, mas é triste vê-lo no meio do caminho,
entre o experimento estético e uma narrativa novelesca, falhando com ambos.
*: Uma escolha escandalosa não é necessariamente ruim, e desta cena específica, gosto.
*: Uma escolha escandalosa não é necessariamente ruim, e desta cena específica, gosto.
Ives Rosenfeld, Brasil, 2015
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