Força Maior


- Cenas de um casamento 3.0 -

Assim como acontecia em Involuntário, único de seus filmes que eu já havia assistido, Ruben Ostlund parece interessado em certa tradição bergmaniana de dialogar muito profundamente a turbulência que existe no simples ato de existir -e mais especificamente existir ao lado de alguém- mas, especialmente neste delicioso Força Maior, o faz de maneira tão vigorosamente satírica, que não é condenável aceitar sua construção como uma comédia; ainda que a nota principal seja tão amarga. Ver este filme tão pouco tempo depois de ser sacudido pela loucura da Garota Exemplar de David Fincher transforma a experiência em algo ainda mais intrigante, pois se o americano filmava o casamento como palco para um festival de aberrações e delírios, Ostlund prefere compactar essas nuances em pequenos blocos de constrangimento e dificuldade, sabiamente delineados através dos dias que a família passa numa luxuosa estação de esqui, com o propósito de fugirem da rotina.

Auxiliado sem reservas pela dupla principal -gosto particularmente da esposa, interpretada pela hipnotizante desconhecida Lisa Loven Kongsli- o filme é, muito basicamente, uma exaustiva discussão de relacionamento, mas que descortina questões muito mais potentes do que a velha erosão da afinidade com o parceiro; em parcas duas horas, Força Maior caminha do amargor por desejar que o homem não se torne uma figura patética, até a reflexão (genuína ou não) de se perceber uma decepção para a mulher. Se a princípio todo o problema desencadeado quando o marido abandona a família num acesso de pavor em meio a uma avalanche sugere que este pode ser um filme sobre heróis, somos cuidadosamente carregados de encontro à percepção que se trata de um filme sobre a inexistência deles.

Entretanto, e muito a exemplo de boa parte do “bom e bem intencionado” cinema contemporâneo, Östlund parece acreditar que as questões primeiras, e subsequentes resoluções que movem o segundo ato do filme são suficientes para que a planificação que pouco a pouco esmaga seus personagens no terço final do filme sejam ignoradas. Depois de ver marido e mulher se reconfigurarem enquanto pessoas e entidades familiares, uma cena como aquela na qual ela finge (ou não) precisar de ajuda para testar o companheiro soa como um bom lugar para dar fim à trama e fazer com que suas proposições continuem reverberando no espectador, mas o filme insiste em ser normativo, e pouco a pouco vai dando adeus à sua anarquia sentimental, e abraçando uma ideia bastante equivocada de final feliz. Isso não chega a jogar propriamente contra todo o filme, já que a encenação do diretor -com sua aproximação visual daquelas situações devendo muito à fluidez de um Kubrick em O Iluminado- é das mais potentes e confere àquele naturalismo algo de muito farsesco. Não chega a querer emular certa dinâmica teatral, mas também não deixa de ser um drama de gestos e palavras, contado em notas bastante robustas.

- Este texto é parte da cobertura do 7º Janela Internacional de Cinema do Recife.

Força Maior (★★★★½)
Ruben Östlund, Suécia, 2014

IMDB ROTTEN KRITZ FILMOW