Mate-me Por Favor


Hit Me Baby (One More Time)

Mate-me Por Favor é um estudo sobre a reação, ou mais especificamente sobre os impactos do mundo, e de sua vivência, num rosto adolescente. Digo isso porque, em toda a sua duração, o longa de estreia da carioca Anita Rocha da Silveira jamais para de se interessar pelas maneiras como suas protagonistas recebem aquelas informações e investidas tão genericamente brutais. A incompreensão que se troca com a vida e as pessoas nesse período parece estar estampada em cada traço do rosto da Bia de Valentina Herszage, que numa performance nada expansiva, consegue se transformar num dos seres mais intrigantes do atual panorama do cinema brasileiro.

Para contextualizar, estamos num Rio de Janeiro solar -apesar de sermos introduzidos ao filme numa madrugada neon-, e acompanhamos essa turma de garotas adolescentes em sua rotina de conversas em terrenos baldios, sexo com garotos e desejo por garotas, bailes de debutante, treinos de handebol e cultos evangélicos regados à louvores em ritmo de funk. Para minar as possibilidades de ser um filme de coming-of-age como tantos outros, apesar de que ainda recaia sobre um ou outro tique deste nicho, Rocha revive as texturas sentimentais de seus fantásticos curtas Handebol e Os Mortos-Vivos, e faz com que o próprio momento da adolescência se transforme numa espécie de abdução. São seres que vivem em suspenso, desejam tudo mas nada almejam, e vivem simplesmente àquilo que lhes é colocado como possível.


Se no primeiro dos curtas citados a violência era o principal agente de catarse para que estes jovens em construção tomassem ciência de si próprios, e no segundo quem fazia este papel eram as redes sociais com suas próprias noções de ausência e morte, Mate-me almeja, e consegue com algum louvor, abraçar essas duas leituras e discursar sobre todas as vidas que existem numa vida jovem. Quando o perigo de um assassino serial recai, a princípio sobre jovens moças, Bia parece buscar mais e mais a certeza de que está viva. “Sangue é vida”, repete ela citando a pastora evangélica que parece ter saído de um reality show -e que inclusive rende as claques mais rasgadamente cômicas de todo o filme-, e a partir daí parece doutrinar-se pela dor e pelo desagravo. Seu rosto no espelho dá lugar a uma torrente de vermelho espesso, é a mais perfeita imagem do que ocorre ali. Bia está pronta para verter tudo que tem, mas não é isso que se espera dela agora. Seu namorado é um devoto fervoroso que teme pelo bem-estar de ambos, já que o sexo parece ser o único caminho para a perdição, enquanto a jovem busca mais e mais esse caminho lascivo. Ela precisa se conhecer a qualquer custo.

É interessante também que seu irmão mais velho, o qual o filme parece gostar de ameaçar a todo momento com a culpa pelas mortes, seja um exemplo tão bonito, e quase caricatural de uma criação desperdiçada. Alguém que não teve o mesmo tino e vivacidade na juventude, e agora vaga como um zumbi, à cata de outras juventudes para sugar. A relação que os dois estabelecem num apartamento cuja mãe é apenas uma menção que nunca se faz presente deixa isso ainda mais claro, com Bia almejando o movimento, e ele sempre sendo visto estático, morto, frente a um computador que nunca traz as notícias esperadas.

Por esse olhar tão rebuscado, e cada vez mais hermético ao longo de sua duração, que lança ao ser adolescente, não é difícil que Mate-Me Por Favor seja comparado ao belo A Alegria de Felipe Bragança e Marina Meliande -apesar de que minha verdadeira lembrança a ser ativada por ele tenha sido Os Famosos e Os Duendes da Morte, de Esmir Filho-, e consequentemente seja tão rechaçado quanto. A princípio porque o cinema que ousa olhar para o adolescente sem cometer a obviedade de julgá-lo por aquilo que ele é ou pensa ser já é automaticamente tomado com muito desprezo, mas principalmente porque é um filme que mergulha sem reservar em toda a magnitude de seus erros e equívocos, como forma de potencializar aquilo que ele é. Bia dorme, acorda para um novo dia e não deixou de ser Bia, assim como Anita não tem intenção de fugir de seus próprios conceitos. Mate-me é assombroso, amargo, desagradável e encantador.

Mate-me Por Favor (★★★★)
Anita Rocha da Silveira, Brasil, 2015
IMDB ROTTEN FILMOW

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