A Travessia e Perdido em Marte


- There's a starman waiting in the sky -

É muito curioso notar -especialmente por conta do curto espaço de tempo que separou minhas sessões dos dois- como Perdido em Marte e A Travessia parecem brotar da mesma semente. São filmes tão próximos em seus anseios de retornar a certo encantamento de uma Hollywood oitentista ou noventista, que se torna fácil, inclusive, apontar suas semelhanças. Para todos os efeitos, ambos tratam de homens em situações adversas ao seu sucesso -que diferente da tendência contemporânea não são propriamente vistos como heróis- tentando atingir um feito que muitos narrativa a fora dirão impossível. Seja a sobrevivência num planeta inóspito ou um espetáculo circense mortal, a tensão injetada lenta e cuidadosamente nestas situações e pessoas funciona quase como um sopro de frescor num período tão imediatista e seco para a experiência cinematográfica de espetáculo. É claro que num geral a construção ainda está muito aquém daqui que Scott e Zemeckis já fizeram outrora em coisas como Alien e De Volta Para o Futuro, estes sim grandes momentos de imagem apreendendo tensão e diversão em notas similares, mas simplesmente por tentar ensaiar um retorno a isso, eles já se impõem de maneira muito mais interessante do que um Christopher Nolan, digamos, jamais conseguiria.

Muito a exemplo do próprio Nolan, existe certa tendência em tratar com absurda seriedade algo que seria muito melhor resolvido se cedesse a velha “magia do cinema”. Matt Damon reagindo as adversidades de Marte ao som de disco music é um setup que verte por si só uma ludicidade e comicidade muito puras, e por isso mesmo tão preciosas. Se toda a imponência do drama espacial acontece, na verdade, em solo terrestre, Scott fica livre para transformar a vivência do astronauta abandonado numa comédia de erros, que tem seu pesar e dureza é claro, mas que jamais abandona a diversão inerente ao fato. Já Zemeckis, com a facilidade de tratar estar tratando da história real e bastante conhecida de um artista performático, consegue levar esta sensação a outros níveis. Os primeiros momentos de A Travessia contam com Joseph Gordon Levitt digitalmente retocado e posicionado no topo da Estátua da Liberdade, peruca estranha e lentes de contato azuis, sotaque francês ridículo, e um inabalável carisma. Ele conta a história de seu sonho e como conseguiu realizá-lo num diálogo direto com o público, como o melhor dos animadores de palco faria; é um contrato claro, um chamado à cumplicidade, uma parceria a ser construída pouco a pouco, que lembro de ter sentido pela última vez em 2011, com o Super 8 de J.J. Abrams. É algo raro, mas que infelizmente não é levado a cabo por Zemeckis, que investe tanto tempo num minuciosa e afetuosa construção do Phillipe Petit de Levitt, mas esquece de todos aqueles que o rodeiam, e logo transforma sua mescla de cinebio e filme de golpe num deslavada ode ao Estados Unidos. Nada contra, muitos bons filmes que eu evoco ao citar esse saudoso cinema de diversão usaram a mesma carta, mas os caminhos dele para chegar aí não são nada discretos.

Scott, por sua vez, é menos incisivo no patriotismo, inclusive tratando o governo chinês como um aliado central para o sucesso do plano de seus personagens, mas derrapa brutalmente na já citada questão da distribuição de seus personagens e contextos. Kristen Wiig, por exemplo, foi convocada para personificar uma marqueteira tonta e desbocada que aparece em todas as cenas fazendo expressões aflitas mas nunca mostra um verdadeiro porquê de estar ali. E o mesmo pode ser dito para boa parte do elenco coadjuvante, nomes interessantes sendo subaproveitados sem explicação aparente. Scott sabe que menos é mais, parece muito que permita tal superlotação. Mas no fim das contas, essas questões e a algo excessiva duração pouco atrapalham aqueles que entraram nesses ficam procurando somente um momento para se desligar do mundo. Nunca pensei que fosse achar esse desejo tão válido, e seu suprimento tão valioso.


Perdido em Marte (★★★)
Ridley Scott, Estados Unidos, 2015
IMDB ROTTEN FILMOW

A Travessia (★★★)
Robert Zemeckis, Estados Unidos, 2015
IMDB ROTTEN FILMOW

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