Já nos primeiros estudos de análise fílmica se aprende que os espaços em volta de um personagem são cheios de significado sobre sua importância naquela narrativa e diegese. Não à toa, formatos de tela como o tradicional widescreen 16:9, ou o especialmente o luxuoso scope 2.35:1, são mais utilizados hoje em dia, por ter uma maior maleabilidade na construção de sentido da imagem do que, digamos, o formato 4:3, antigo padrão de cinema e tv. Sempre que eu via um personagem ser filmado com muito respiro nas laterais, ficava clara o poder que ele exercia sobre qualquer situação na qual estivesse envolvido, ou o tamanho da opressão que sentia; tudo dependia do enredo, mas a leitura visual se fazia bastante clara. Todo este devaneio surgiu na madrugada de hoje, quando dois meses atrasado eu vi o clipe de FourFiveSeconds, parceria ente Rihanna, Kanye West, e Paul McCartney. Para além de ser uma música interessante e que tenta ir para longe do bubblegum pop que a cantora fazia até aqui, o clipe fotografado no aspecto 1:1 me chamou atenção por criar, talvez inadvertidamente, uma série de questões muito interessantes no que diz respeito à relação da linguagem visual com o mundo da música pop.
Desde o advento das televisões em widescreen nativo, o mundo da música pop se esmerou mais e mais em transformar seus vídeos músicais em verdadeiras odes à figura da diva, do popstar. Ou seja, especialmente num período que começa na metade dos anos 2000 e termina no fim dos 2010, fotografar cantores no centro do quadro, em plano médio ou americano e sempre encarando a câmera, e consequentemente seu ouvinte, era o padrão absoluto para se vender um videoclipe. Especialmente no mundo do r&b e do hip-hop, que lidam com uma ideia bastante forte do músico como “divindade” o corpo de trabalho quase não varia, basta olhar para os vídeos de Beyoncé em seu segundo e terceiro álbuns, por exemplo. Os temas das músicas e estilo dos vídeos variam, mas quase sempre se vai encontrar uma figura poderosa, que se mantêm no centro da imagem e domina tudo aquilo que está ao seu redor. O exemplo mais claro deve ser o do já classico “Single Ladies”; extremamente festejado por sua simplicidade num período onde o pop atravessava certa onda de afetação, o clipe se resume à cantora cantando e dançando ao lado de duas dançarinas vestidas como ela, quase como pedaços da própria. O poder de Single Ladies vinha tanto dessa simplicidade, quanto da imponência que o enquadramento bastante sóbrio evidenciava em Beyoncé.
Apesar dessa maneira tão estritamente planejada de colocar o artista em evidencia esteja sendo modificada por tendências naturais que surgiram no audiovisual contemporâneo, meu maior choque em ver Rihanna deixar-se colocar numa tela quadrada tem muito mais a ver com a ideia das relaçõse de poder que são a base do mundo pop. Claro que isso deve ter a ver com fatores como a nova etapa da carreira dela estar direcionada para algo mais sóbrio, mas ainda assim vê-la sufocada numa imagem me soa como uma humanização honesta. Não que Rihanna tenha sempre se vendido de maneira “religiosa”, como acontece com a própria Beyoncé, ou com Madonna e Lana Del Rey (esta última também ousada, fez um vídeo em 3.33:1, aspecto ainda mais raro) em menor grau, mas a ideia de abdicar dos respiros e espaços que seu poder enquanto diva lhe oferece é algo muito curioso. Claro que não consigo deixar de imaginar como puro fetiche de um realizador atento às tendências do cinema (leia-se alguém que viu O Homem das Multidões ou Mommy e esperou a oportunidade certa para poder replicar isso sem ser acusado de plagiarismo pelas enfurecidas legiões de fãs que carregam suas divas nas costas), mas ainda assim, é algo muito bonito de se ver.
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