Dois Dias, Uma Noite



Por conta da indicação de Marion Cotillard ao Oscar, o incenso ao redor de Dois Dias, Uma Noite fica tão enervante que coisas muito preciosas podem se perder pelo caminho. São questões quase pontuais, mas que se fazem notar de forma muito bonita para aqueles que acompanham cinema de forma sistemática. Antes, um pouco de contexto nesse comentário: Quando Lars Von Trier lançou Melancolia e Kirsten Dunst foi automaticamente automaticamente louvada como a grande performance do festival, inclusive conseguindo uma Palma de Ouro por seu trabalho, lembro de ficar bastante ansioso por aquilo que a crítica chamava de “uma minuciosa recriação do que é estar em depressão”, apesar de já à época estar desencantado com o diretor dinamarquês, e lembro também da grande decepção subsequente. Dunst não só recaía no velho chavão do deprimido como um eremita envolto por cinzas -o que pode perfeitamente ser culpa do diretor, é verdade-, como também não me inspirava qualquer identificação, o que naquela instância era muito importante. Ora, como uma atuação supostamente tão precisa de alguém sofrendo do mesmo mal que me abatia não abria qualquer verdadeiro diálogo comigo?

Claro que não estou querendo legitimar meu desejo adolescente de me ver projetado em outrem como forma de aceitação, mas essa memória veio muito intensa enquanto acompanhava a dolorosa jornada da Sandra Bya de Cotillard pelos subúrbios belgas em busca da manutenção de seu emprego. Para aquela moça, aparentemente curada de uma crise depressiva, mas ainda claramente escrava de seus medicamentos e amarras emocionais, a ideia de ser demitida num momento onde está tão frágil e exposta é idêntica ao desespero, em suas diversas facetas, que se abate sobre Dunst e Gainsbourg no segundo ato de Melancolia. As duas histórias tratam do fim de algum mundo: seja do planeta como conhecemos, seja daquele que uma dona de casa fragilizada precisa batalhar manter de pé. E é exatamente nessa dualidade de apocalipses que eu percebo como a construção da depressão de Dunst era medíocre, frente àquilo que Cotillard faz.

São desejos destrutivos de menosprezar o amor do marido e a lealdade dos amigos, é a perda dos pequenos prazeres da vida, como um almoço com os filhos, mas também a compreensão de que esta não é uma sensação permanente, e que as alegrias ainda podem ser compartilhadas, nos melhores momentos; e acima de tudo isso, é especialmente um peso no olhar, que vem das tantas fadigas físicas que a doença causa, e que vão suprimindo a vontade de viver. Muito haveria para se falar sobre as questões humanistas do trabalho dos Dardenne, que a cada filme se tornam mais expositivas, e que talvez por isso tenham começado a perder sua magia para dar lugar a um didatismo descabido; mas me parece muito mais interessante se manter atento à pessoa de Sandra, ao seu caminhar, às suas ligações aflitas no telefone, e em como ela segue, em direção ao horizonte pronta para viver mais, e melhor.

Dois Dias, Uma Noite (★★★★)
Jean-Pierre Dardenne e Luc Dardenne, Bélgica, 2014
IMDB ROTTEN KRITZ FILMOW

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