-Everyday we stay the same-
Filmes laureados em algum festival de cinema independente sempre me chamam atenção, por uma ou outra razão. Seja o meu inexplicável apreço por imagens saturadas, gastas, maltratadas, que parecem legitimar os litros de suor e falta de dinheiro que existem por trás desses projetos, e com os quais eu tanto me identifico enquanto colega realizador, ou talvez o interesse em estudar o minimalismo dessas tramas para replicar nas minhas próprias, é fato que Sundance, e especialmente SXSW sempre foram para o meu radar o que Cannes é para a maioria das pessoas. Mesmo tendo cimentado esse interesse numa época em que a produção independente dos Estados Unidos tomava um rumo algo nefasto, sendo soterrada pelos dramas familiares caça-oscar e pelas comédias românticas melodramáticas na pior inflexão dessa palavra, ainda havia ali muita coisa a ser aproveitada. Ao perceber o quanto todas essas produções sugam da outra, e a próxima da anterior, e assim por diante, também fica mais fácil perceber quando de fato existe algum esforço em buscar uma saída menos simples para as questões de seus personagens e linhas narrativas.
Digo tudo isso porque Obvious Child caiu no meu colo com essas credenciais: filme independente, premiado em festival, com caras desconhecidas tendo suas atuações amplamente festejadas, e roteiro aparentemente ousado. É sempre assim, até o filme ser visto e dolorosamente desmistificado. Baseando-se em seu curta homônimo, a diretora Gillian Robespierre apinha o filme de audience candies, os famosos clichês que agradam invariavelmente o público médio, e por sua forçosa “ousadia” acabando cativando a crítica. A porção aprazível fica por conta da protagonista Donna, encarnada em corpo e piadas sobre vaginas e judaísmo por Jenny Slate, uma comediante cuja voz algo irritante não é suficiente para minar seu inabalável carisma de “mulher despejada pelo namorado em processo de luto e redescoberta”, e a deliciosa química que ela mantêm com o galã em potencial e homem dos sonhos de qualquer moça, ou rapaz gay (call me guilty), Jake Lacy. A parte ousada da equação vem com o conflito que óbvia e pontualmente catapulta as emoções do roteiro, segundo ato em diante: uma noite de sexo etílico e desprotegido deixa Donna grávida de um homem que ela mal conhece, e a solução óbvia é um aborto.
Claramente -e de certo modo felizmente- mais preocupada com as implicações sentimentais e monetárias de interromper a gravidez, o conflito da moça é tão diluído no clima de rom-com, que a viagem sentimental de Obvious Child, que poderia ser algo mais curiosa sem de fato se tornar densa para além daquilo que a diretora estreante pretendia, acaba se esvaindo nas piadas e nas conversas efêmeras com família, amigos e desconhecidos pela noite de Nova York. É claro que este não é um filme sobre aborto num espectro moral, mas sobre como esta situação é compreendida e objetivada na vida de alguém que tem, ou acha que tem, várias outras coisas para manobrar no momento; porém, se esforçar a ser algo menos óbvio na maneira como se constrói essa observação, faria o filme de Robespierre muito mais interessante. Em tempo: porquê todos esses filmes insistem em composições onde dois personagens se colocam lado a lado em pose engraçada ou desconfortável? Jamais compreenderei.
Uma Notícia Inesperada (★★★)
Gillian Robespierre, Estados Unidos, 2014
IMDB ROTTEN KRITZ FILMOW