- Candy Tales -
Raríssimas vezes durante Nua Por Dentro do Couro, vemos um corpo inteiro diante da câmera. Assim como muito do que move a enevoada trama deste que é, até aqui, o melhor filme do maranhense Lucas Sá, o filme e seus personagens são vistos aos pedaços: um olho ferido, uma boca faminta, um movimento hesitante; são símbolos muito precisos de uma história em processo, uma pequena radiografia cotidiana que vem de lugar já obscuro e desemboca em outro tão mais misterioso.
Não parece ser exatamente o tipo que questionamento colocado por Lucas, já que essa sua atração por fatiar pessoas e espaços com rigor milimétrico condiciona o olhar para uma questão muito mais espacial; mas essa abertura, exemplificada por exemplo em não esmiuçar quem (ou o quê) escraviza a personagem da maravilhosa Gilda Nomacce ou mesmo se é de fato uma relação de dominância, ou o que efetivamente está acontecendo com a mocinha interpretada por Miriã Possani e porque ela usa um tapa-olho decorado, abrem um debate muito interessante sobre o que efetivamente precisa ser dito e ser visto, especialmente em cinema de gênero.
Por ser notadamente uma introdução/ensaio para um longa-metragem futuro, há quem possa tratar esse espaçamento narrativo como um demérito, como falta de verdadeira coragem ao abraçar duas personagens tão ricas em suas intenções, mas muito me parece que Nua é um filme fiel às suas intenções: é vago e sabe que é vago; é belo, e tem certeza disso. O grito virulento que encerra o filme remete em muito àquele dado por Marat Descartes em Trabalhar Cansa, um desafogar urgente de tudo aquilo que oprime, especialmente por não se ter certeza do quê é.
Na mais simples escrita de plano e contraplano, o rosto faz o cinema.
- Este texto é parte da cobertura do 7º Janela Internacional de Cinema do Recife.
Nua Por Dentro Do Couro (★★★★)
Lucas Sá, Brasil, 2014
IMDB ROTTEN KRITZ FILMOW