Praia do Futuro


- Bom Trabalho -

Depois de assisti-lo uma segunda vez, os vazios invisíveis que perpassam toda a duração de Praia do Futuro, em forma e conteúdo, me pareceram muito semelhantes àqueles que haviam me encantado em Um Brinde à Amizade. Se o filme de Joe Swanberg alcançava -através de sua feitura baseada em improvisação- essa magia de transformar o não-dito e o não-realizado em algo tão vivo; Aïnouz consegue resultado parecido de maneira bem menos corajosa, e nem por isso menos relevante. A construção elíptica, que a princípio soa desagradavelmente turbulenta, é na verdade um reflexo bastante calculado de uma alma que está em sofrimento, e a certo grau nunca deixará esta condição.

Donato, interpretado por Wagner Moura de maneira capaz, mas longe da chuva de elogios que recaem sobre ele, é quase como todos os outros protagonistas que Karim já criou; uma pessoa que culpa seu espaço geográfico por uma eterna sensação de desconforto e não-pertencimento, e que tem na fuga sua maior esperança de reencontrar a paz. Essas jornadas épicas de reencontro pessoal eram acompanhadas por paisagens que dialogavam com o tamanho das dores que as personagens carregavam, mas em Praia do Futuro, especialmente por jamais estarmos perfeitamente conscientes do quê aflige Donato, sua fuga de Fortaleza, e gradual (des)encanto por Berlim são tratados quase como mistérios que, enquanto buscam ser desvendados, frustram a relação emocional que eu esperava criar com o filme. É inegável que Karim continua sendo um cineasta muito terno, sem jamais soar melodramático, e não é o caso de Praia ser um filme frio (os momentos entre Ayrton e Donato no primeiro e último capítulo são absolutamente tocantes), mas certamente distante; enquanto parece acreditar que observa aquelas pessoas e seus anseios de perto.

Mesmo quando parece nos fornecer pistas valiosas através de cada um de seus cuidadosos aspectos estéticos; por exemplo o constante barulho de mar que domina o desenho de som mesmo quando não se faz visualmente presente e em seguida dá lugar ao silêncio incômodo e ao barulho dos trens de Berlim; ou mesmo a cor da pele de Moura, que abandona o dourado praiano e se transforma num branco pálido e inofensivo, o filme soa como já tivesse sido resolvido quando duas linhas de diálogo traçam um perfil tão preciso quanto possível de seu protagonista. Em momentos pouco distantes um do outro, Moura diz que “não dá pra construir nada na Praia do Futuro” e “não consigo viver onde não tem praia”; seria então sua insatisfação, afinal, um desejo infantil de não aceitar aquilo que lhe oferecido, mas não ter como justificar essa recusa? Porque certamente toda a gama de questões sexuais e familiares que perpassam seu inferno existencial parecem ser resolvidas em algum lugar extra-filme, de maneira muito menos inquisitiva e participativa do que o almejado. Ao passo que essas são perguntas deliciosamente complexas de se responder, o fato delas poderem ser as bases de um filme do Karim já coloca ele um nível abaixo de tudo que ele fez antes.

Praia do Futuro (★★★)
Karim Aïnouz, Brasil/Alemanha, 2014

IMDB ROTTEN KRITZ FILMOW