- Through the looking glass -
Existe algo de muito estranho, ou inquietante (ainda que eu não saiba se esta é de fato a palavra a se usar) na construção de Ex Machina. Por construção eu tento me referir à costura das efervescentes ideias que o diretor-roteirista Alex Garland distribui filme afora, mas me interessando especialmente em sua semiologia, seu didatismo colorimétrico, que de tão cirúrgico e aparentemente óbvio se torna um de seus maiores charmes, batendo de frente consigo mesmo e com sua disposição tão gélida de discursos. Ex Machina é um filme de tons urgentes e arquitetura modernista. É uma casa de vidro rodeada por floresta e montanhas, que mergulha em cores vermelhas quando é hora de denotar uma disrupção na ordem, no milimétrico, na diegese. O vermelho é a cor do perigo, já sabia muito bem Nicholas Ray. É a cor que banha o verdadeiro -ou assim se parece- contato entre Caleb, ingênuo funcionário duma óbvia versão fictícia do Google, e Ava, inteligência artificial criada por Nathan, chefe do primeiro, e instalada numa reprodução de corpo feminino. Não é, mas poderia ser uma commedia dell'arte; Pierrot, Harlequin e Colombina digladiando-se por amor.
Garland estreia na direção tendo que lidar com expectativa colossal, causada por seu competente trabalho de roteirista em títulos festejados da carreira de Danny Boyle, Extermínio em especial, além dos ótimos Não Me Abandone Jamais e Dredd, e de fato, Ex Machina é muito mais ideia interessante que filme bem acabado. As ferramentas estão lá, e são bastante interessantes, como por exemplo a pouquíssima quantidade de gordura investida na construção da história. Em menos de 5 minutos e sem usar muitas linhas de diálogo, já é possível saber que estamos acompanhando o Caleb de Domhnall Gleeson numa fortuita viagem ao retiro tecnológico de seu chefe Oscar Isaac -uma espécie de paródia de qualquer grande gênio da informática-, onde ele vai testar o sistema de inteligência artificial que este último batizou, de maneira muito rasa diga-se de passagem, com o nome de Ava.
Por falar nela, Alicia Vikander é corpo, alma e expressões de todo o filme, carregando nas costas e corpo de CGI tudo aquilo que seus companheiros de cena nunca conseguem entregar. Ela cumpre a difícil tarefa de ser uma máquina que sente e racionaliza, mas raramente deixa isso cercear suas escolhas dramáticas, garantindo que a aparente grande questão de Ex Machina, as dúvidas sobre o quê nos faz humanos, não seja soterrada pelas escolhas duvidosas do diretor/roteirista em pontuar cada capítulo de sua história com um raso diálogo sobre a condição humana e os avanços da tecnologia, o que se agrava no terço final, que desanda para um conflito e um contorno de horror que poderia certamente ter sido trabalhado de outra forma. Está longe de ser um mau filme, mas talvez Garland tivesse mais sucesso se entregasse seu material escrito nas mãos de outras pessoas.
Alex Garland, Estados Unidos, 2014
IMDB ROTTEN KRITZ FILMOW
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