Ninfomaníaca: Volume 1


- Minha Noite Com Ela -

Ao descrever sua primeira experiência sexual com um parceiro, a personagem de Charlotte Gainsbourg se refere ao acontecimento através do humilhante -segundo ela- número de vezes que foi penetrada; três na vagina, cinco no ânus. Para surpresa de quem ouve deste lado da tela, os números 3, 5, e um grande sinal de adição surgem na tela enquanto a ação se desenrola. Essa visão lúdica, quase infantil, de esmiuçar a lógica e os códigos por detrás de casa coisa dita segue por toda a duração do primeiro capítulo de Ninfomaníaca, e apesar de ser a mais inofensiva das provocações que Von Trier guarda, é a provavelmente a que surte um impacto mais forte, por se colocar de uma maneira tão reverente ao cinema, ao mesmo tempo em que zomba de sua capacidade. Ninfomaníaca é uma peça de teatro, em que Gainsbourg e Stellan Skarsgard conversam sobre as desventuras sexuais dela, mas também é um livro, cheio de referências à outras obras, teorias e lugares, e por fim também é um filme, que não encontra as “barreiras”, que as outras artes teriam, para nos levar a qualquer um desses lugares. Toda a comoção em volta do sexo explícito parece agora uma das muitas brincadeiras de gosto duvidoso que o diretor dinamarquês gosta de propor, porque no fim das contas, este é um filme muito mais interessado no cérebro do que em qualquer outra parte do corpo de sua protagonista.

Não é como se o sexo não fosse relevante; ele está lá, e com quase nenhuma pincelada de romance, assim como prometido, mas o que importa de verdade não é o ato, e sim as coisas que o rodeiam. Por exemplo, no primeiro dos 5 capítulos que compõem este volume inicial do filme, somos introduzidos ao despertar sexual de Joe, enquanto o já citado Skarsgard, ao ouvir as memórias da moça, compara o ato de buscar sexo com a intricada arte da pescaria. Ele tem complexas teorias sobre como lançar a isca e a maneira certa de manipulá-la e como isso tem a ver com a sedução e o desejo, ao passo que ela quer apenas reviver aquelas sensações e talvez ser julgada por suas decisões equivocadas. Von Trier parecer querer direcionar seu desagravo para os críticos de arte, os pedantes, os moralistas, ou qualquer outra pessoa interessada em forçar convenções externas à algo tão orgânico como o desejo humano, mas o faz de maneira tão formulaica, e por vezes boba, que seu tiro sai pela culatra. As maneiras que ele encontra para associar a cena que conduz toda a trama -que na minha modesta opinião funcionaria como um filme interessante por si só- às memorias de sua protagonista, são muito forçadas. Além da já citada pescaria, conhecemos mais facetas da vida de Joe através das conexões feitas com um bolo, um nome, e até mesmo uma doença. De todos eles, o único que soa mais orgânico, e consequentemente leva ao melhor trecho do longa, é àquele que diz respeito à construção musical de uma peça para órgão.

Olhando exclusivamente para estes flashbacks, o saldo também é bastante irregular. Se Shia LaBeouf, com sua modesta gama de expressões, consegue se destacar frente à um elenco tão estrelado, é possível que Von Trier possa ter perdido um pouco a mão no trato com seus atores, o que parece muito suspeito. Em um dos capítulos, Uma Thurman surge quase caricata, lembrando um daqueles personagens de programas de auditório mundo cão, enquanto confronta a mulher que destruiu seu casamento. A construção da cena é risível, e gera muito menos desconforto do que parecia ser esperado; e que por sinal me espanta muito ter sido destacada, pela crítica estrangeira, como a melhor porção do filme. Se há algo realmente bom e digno de apreciação aqui, e me arrisco a dizer que o mesmo vale para todo o cinema do dinamarquês, é que seus trabalhos sempre geram discussão. Na maioria das vezes a discussão é mais acerca dele do quê dos filmes, mas não deixam de ser um bom passatempo. Já quanto à Ninfomaníaca, é melhor aguardar o segundo capítulo para ter certeza se estamos frente à uma brincadeira bem construída, ou uma bobagem autoimportante.

Ninfomaníaca – Parte 1 (★★★)
Lars Von Trier, Dinamarca, 2013

IMDB ROTTEN KRITZ FILMOW