Tatuagem


- Filme de Amor ou A Educação Sentimental -

-Texto originalmente publicado no site do sexto Janela Internacional de Cinema do Recife, como parte da oficina Janela Crítica.
- Lá no quartel me chamam de Fininha.
-Tem mais a ver contigo, é mais bonito. Não que Arlindo não seja bonito, mas tu tem mais cara de Fininha.
-Tu também não tem cara de Clécio.
É a partir deste jogo de duplos, dessa busca por outras e mais significativas camadas de verdade que se constrói aquele que deve ser o único grande conflito de Tatuagem: o exercício do amor. E antes que a palavra ‘único’ seja mal compreendida, é bom salientar que este filme não faz outra coisa além de examinar, dissecar, ensinar e aprender sobre todas as facetas deste sentimento que move os homens. O foco está no Chão de Estrelas, trupe anárquico-teatral levemente inspirada no coletivo Vivencial Diversiones – ativo no Recife em meados da década de 70 – e que pode ser compreendido como uma mistura de Cabaret e Dzi Croquettes. No centro do quadro está Clécio, diretor criativo do grupo, e o encantamento mútuo que o arrasta em direção a Fininha, jovem soldado em franca exploração de sua sexualidade. Só esta pequena linha de história já põe o filme de Lacerda em um lugar muito curioso e especial. O fato dos protagonistas serem homens, vivendo uma história de amor, jamais soa como sobrenatural, perverso, ou curioso, como grande parte dos filmes “temáticos” costumam ressoar.

Assim como toda a anarquia orgiástica que permeia as performances e a vida em grupo do Chão de Estrelas, o amor que o norteia é tão simples que chega a ser banal. Por sinal, essa anarquia, apesar de perfeitamente cabível, soa algo deslocada na construção do filme. Sim, seria quase impossível falar de um grupo de atores performáticos sem colocar luz sobre suas maneiras liberadas, mas a ternura que caminha ao lado dos momentos de exagero parece tão melhor construída, tão mais honesta consigo mesma, que todo o resto pode soar como uma tentativa de choque pelo choque, o que está longe de ser verdade porque, para um filme que se crê transgressor,Tatuagem é bastante domesticado.

Para além dessa porção minimamente defeituosa, todo o resto merece as várias glórias que tem alcançado. Os defeitos são quase totalmente soterrados por um combo muito especial de direção segura, desenho de som e fotografia impecáveis, e principalmente pela vivacidade de seu elenco. Se Irandhir Santos e Jesuíta Barbosa são o foco principal da história, o olhar do público é constantemente roubado pela presença gigantesca de Rodrigo García, como a estridente Paulete. García é um tipo raro de ator, que preenche toda a extensão da tela com uma propriedade quase constrangedora. Há quem possa confundir seu personagem com um alívio cômico, mas o filme nada seria sem suas claques e alfinetadas. No fim das contas, talvez seja ele que melhor traduza em carne as sensações que o filme provoca porque, apesar de tresloucada, Paulete é o retrato da inocência, e da possibilidade de esquecer toda a escuridão passada para abraçar o futuro.

Tatuagem (★★★)
Hilton Lacerda, Brasil, 2013

IMDB ROTTEN KRITZ FILMOW